Recentemente, fui convidado a proferir palestras e ministrar um curso sobre Linguagem Simples no setor público em outras terras, longe dos limites dos territórios de Câmara Cascudo.
No Brasil, a primeira política pública para tratar exclusivamente do tema de Linguagem Simples surgiu em 2019 com a criação do Programa Municipal de Linguagem Simples da Prefeitura de São Paulo. Contudo, o incentivo ao uso da Linguagem Simples no setor público é um movimento global. O debate começou em meados de 1940 nos Estados Unidos e Inglaterra.
O setor público é composto por diversos órgãos e setores, distribuídos pelos três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Esses órgãos têm diferentes papéis e características. Mas uma característica comum a todos eles é a linguagem, que costuma ser formal e complexa.
Até por ser recente no Brasil, mesmo que não exista nenhuma legislação que determine o uso da linguagem complexa, falar em adotar uma Linguagem Simples é algo que gera receio no serviço público – já que a linguagem complexa virou padrão e parece não existir motivos ou autorizações para mudanças.
Mas há um detalhe fundamental neste assunto: usar Linguagem Simples é inovar, é “fazer diferente”. O que quase não se sabe é que a Lei Federal nº 13.460 de 2017, conhecida como Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos, já autoriza que se use Linguagem Simples. Veja-se o artigo 5º da já citada lei: “O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes: (…) XIV – utilização de Linguagem Simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos.”
Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, de 13 de junho de 2020, o economista norte-americano Michael Kremer, professor da Universidade Harvard, cujo trabalho é dedicado à avaliação de políticas públicas, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia ao lado de Esther Duflo e Abhijit Banerjee, em 2019, afirma que a informação transmitida de forma incompreensível para os mais pobres pode ser uma barreira maior ao desenvolvimento econômico do que a falta de tecnologia ou de interesse dos governantes.
Um texto pode ser considerado simples quando suas ideias, palavras, frases e estrutura são apresentadas de forma organizada. Assim quem lê pode encontrar facilmente o que procura; compreender o que encontrou; e, então, usar a informação.
Mas afinal, como utilizar a Linguagem Simples na hora de escrever o documento? Existe um conjunto de técnicas práticas que se pode usar na hora de escrever ou revisar um texto. As orientações podem ser divididas em 3 grupos, que abordam diferentes aspectos do documento e da linguagem. São eles: escolha das palavras; estrutura das frases; apresentação do documento. Como se pode ver, parte-se do menor elemento do texto, que é a palavra, passa-se pela frase, e só então se pensa na apresentação do documento. Mas os três aspectos se misturam tanto no momento de começar a escrever um texto do zero, quanto na hora de revisar um documento.
Evidentemente, este generoso espaço que o jornal me concede não é suficiente para tratar de todas as orientações agora. Voltarei ao tema em novo artigo. Por ora, é importante dizer que, de fato, a linguagem do setor público, quase sempre, é complexa. Mas muitas pessoas não percebem que isso é um problema e nem as consequências que ele acaba trazendo. Ainda são poucas as que trabalham para resolver esse obstáculo há muito tempo presente. Por isso, quanto mais pessoas estiverem falando sobre o tema e engajando outras pessoas, mais fácil será implementar o uso da Linguagem Simples no setor público.
Publicado originalmente na Tribuna do Norte, em 05 de junho de 2022.